Em 2010, decidi que iria passar um tempo na terra dos cangurus, a Austrália, esse país que é bem pertinho daqui. Larguei tudo no Brasil para estudar dois anos lá, mas a parte que quero dividir com vocês é a segunda etapa, quando me mudei para a pequena cidade de Cairns, no norte do país, e diga-se de passagem o ponto mais próximo do Japão em Down Under (e que obviamente acabei dando um pulo lá, mas é assunto para um outro post). Vamos ao que interessa!
Depois de aproximadamente um ano morando em Melbourne, voltei ao Brasil para visitar minha então namorada, e hoje esposa, Julia. Também vim para ser padrinho de casamento de um casal de amigos. Nessa época, eu já havia decidido me mudar para Cairns quando voltasse para a Austrália após esse pequeno período de férias por aqui. Antes mesmo de voltar eu já tinha uma certeza: levar meu Karate gi para Cairns! Eu sabia que o Karate era bem importante nessa cidade, pois um grande amigo já havia comentado comigo. Sem nem piscar eu coloquei meu Karate gi na mala, já lotada de todo tipo de comida brasileira possível de ser transportada para o outro lado do mundo. Infelizmente acabou tendo espaço somente para o Karate gi mais leve, de kumite. Obviamente meu coração ficou quebrado em deixar meu Karate gi de kata para trás, porém, aquele mesmo amigo que comentou comigo sobre os treinos, foi o eleito para levar o meu Karate gi de kata para a Austrália quando ele voltasse das férias aqui Brasil. Eu só não avisei que era um pouco pesado, mas esse amigo já havia aprontado tanto comigo, que imaginei que seria divertido. (Obrigado, Verde. Espero que isso tenha te causado muito incômodo).
Agora, morando em Cairns e com meu Karate gi em mãos, fui fazer a primeira visita ao dojô do sensei Kazue Matsumoto. Eu estava um pouco apreensivo de ir até lá, pois não estava treinando há um bom tempo e voltaria a treinar justamente em outro País, em outro idioma e com um sensei japonês! Todo o nervosismo não foi suficiente para superar o que encontrei por lá assim que cheguei, fiquei impressionado como dojô e mais ainda com o sorriso aberto do sensei Matsumoto quando falei que era brasileiro e gostaria de voltar a treinar, pois sem exitar ou fazer qualquer outra pergunta ele disse: “Bem-vindo. Você pode começar a treinar hoje”.
A grande verdade é que naquele momento eu realmente estava voltando para o Karate de vez, para sempre. Talvez o sensei Matsumoto não tenha ideia disso, mas sou muito agradecido e honrado por ter sido aceito no seu dojô, não só por ele, mas por todas as pessoas que faziam parte daquele universo (com certeza terei que fazer a versão em inglês deste texto). E só por curiosidade, eu sou praticante do Karate Shotokan, e o sensei Mastumoto ensina Shito-ryu, o que prova que nada te impede de treinar quando a vontade realmente existe, nem mesmo o estilo que se pratica.
Nesse meu primeiro dia, eu parecia uma criança no primeiro dia de aula. Querendo treinar, conhecer novos karatecas. Todos também ficaram curiosos, pois eu era o primeiro brasileiro a treinar nesse dojô, e eles sabiam que eu iria ficar lá por um tempo, o que seria a chance para ambas as partes trocarem conhecimento, não somente sobre Karate, mas sobre as nossas culturas. A partir daquele momento, aquele tornava-se um compromisso para mim tão importante quanto trabalhar.
Passei aproximadamente 5 meses treinando no dojô do sensei Matsumoto e me lembro de ter faltado poucas vezes, somente quando foi extremamente necessário. Eu sabia que meu tempo era curto e queria muito vivenciar essa oportunidade. Se eu aprendi? Muito. Inclusive tomei algumas broncas por cometer pequenos deslizes que os ocidentais, inconscientemente, cometem. Durante esse tempo que passei lá, todos me trataram muito bem e me fizeram me sentir em casa. Tive a chance não só de treinar Karate com todos e cada um deles, mas de conhecer por outro ângulo a vida na Austrália, pois até para as festas eu era convidado. Me lembro que cheguei até mesmo a levar brigadeiro, que foi sucesso de público, e uma garrafa de cachaça para fazer caipirinha, que infelizmente não chegou nem a ser feita, pois o sensei Matsumoto deu um gole na cachaça pura, olhou para mim com os olhos arregalados e disse: “Forte, não?”. Desde então ele se referia à nossa cachaça como “combustível”. Outro detalhe: para essa festa me buscaram e levaram em casa, mas não porquê eu não conseguiria ir sozinho, mas sim pela gentileza.
Ao saber que meus dias em Cairns estavam chegando ao fim e eu iria para o Japão, sensei Matsumoto me indicou um amigo dele que era sensei em Osaka para que eu pudesse fazer um treino. Como se não fosse suficiente, ainda convidou eu e a minha esposa para irmos almoçar com ele, sua esposa e um grande amigo nosso, o Tatsuya, para irmos almoçar em um tradicional restaurante japonês. Tem como não ficar grato?
Fica aqui meu muito obrigado ao sensei Kazue Matsumoto, sua esposa, e todos os amigos karatecas em Cairns. Você são mais do que bem-vindos na minha casa e no tatame que eu estiver treinando.
Essa história, para mim, é a maior prova que o Karate é um idioma universal e karatecas são pessoas especiais.
Infelizmente, o sensei Matsumoto faleceu antes de ler esse texto. Mas tenho certeza que ele sabia o tamanho do respeito e carinho que eu tenho por ele.